“EU SOU BRASILEIRO” —poesia
Osmar Barbosa, poeta e professor

__ Sim, eu sou brasileiro!
Batizei-me na cruz das velas lusitanas
e chorei no porão do navio negreiro.
Sou triste como ninguém.
Deixei o velho Tejo em troca do Amazonas
e trouxe a nostalgia, esta ama da saudade,
dos arcos de Lisboa às tendas de Arakén.
Desde o casto fulgor da remota manhã
aprendi a atirar flecha para o céu,
espontânea oração no templo de Tupã.
Sou irmão de Peri na voragem suprema
dos enorme caudais do sonho e da ventura:
tendo sede de amor, sorvo então com ternura
os favos da jati nos lábios de Iracema.
Bem compreendo a feição do pronome você,
entendo o sabiá no tôpo das palmeiras,
acredito em mãe-d’água e saci-pererê.
Banhei-me de vigor nas alvas cachoeiras
e cresci como cresce o resplendor do ipê.
__ Sim, eu sou brasileiro!
Trago na alma o calor de um sol que não descamba
sei que meu coração nasceu para pandeiro
e para acompanhar o compasso do samba.
Bandeirante que fui no arrôjo e na pujança,
Por esmeralda ostento a mais bela esperança.
Descobri no meu berço a mais festiva sorte:
o sorriso do verde e o sorriso do azul,
danço o maracatu com os coqueiros do Norte,
com o minuano assobio as rancheiras do Sul.
Não me abate saber a sífilis na raça,
não me abate saber a malária nos ermos,
não me abate saber da inércia e da cachaça,
não me abate saber da procissão de enfermos:
É este o meu Brasil __ paupérrimo e faminto __
que mostro com orgulho e com nobreza o sinto;
ei-lo em cada sertão, ei-lo em cada maloca,
dando ao gasto organismo um pouco de farinha,
mas se o dever o chama,
ninguém pode impedi-lo: é como a pororoca…
Em rugidos caminha
Para provar que é livre, e que freme, e que ama!
Brasil-jeca-tatu! Oh graça sertaneja!
De cócoras mirando a espiral de seu fumo,
mas uma vez de pé, como o fio de prumo,
retesa a posição, constrói o que deseja.
É o Brasil que encerra a piedosa jóia:
um punhado de heróis no solo de Pistóia.
__ Sim, eu sou brasileiro!
Tostei a minha tez aos beijos de meu sol…
Vêde, ó loiro estrangeiro,
tudo que minha Pátria em letras de ouro lavra:
o cérebro de um Rui na glória da palavra
e os pés de um campeão no ardor do futebol.
Amo o Brasil do asfalto e amo o Brasil da aldeia,
amo todo o meu chão vastíssimo e luzente:
namoro com Catulo a branca lua cheia
e com Castro Alves canto o ideal de minha gente!
__ Sim, eu sou brasileiro!
Glossário:
Tejo: famoso rio da Península Ibérica.
Arakén: personagem indígena, chefe de tribo, do romance Iracema, de José de Alencar.
Tupã: nome dado a Deus na língua tupi, em referência ao trovão. Também se diz Tupá.
Peri: principal personagem do romance O Guarani, de José de Alencar.
Voragem: sorvedouro, abismo.
Caudal: torrente impetuosa. Também pode ser usado no feminino. É empregado ainda como adjetivo.
Jati: abelha pequenina.
Iracema: personagem principal do romance de José de Alencar, obra aliás que ostenta êste nome.
Mãe-d’água: ser fantástico que a imaginação popular diz viver nos rios e lagos.
Saci-pererê: ser fantástico, um negrinho de uma perna só que a imaginação popular criou como perseguidor de viajantes.
Ipê: nome de planta também conhecida como pau-d’arco.
Descambar: cair, derivar.
Arrojo: bravura.
Minuano: vento que sopra no pampa.
Rancheira: música típica da região sulina.
Pistóia: povoação da Itália, na Toscana, onde foram sepultados os brasileiros mortos na Segunda Guerra Mundial.
Catulo: Catulo da Paixão Cearense, autor das mais célebres poesias regionais de nossa literatura.
Castro Alves: Antônio de Castro Alves, poeta da geração romântica, o mais vibrante do Brasil.
Retirado do livro Conheça seu Idioma de Osmar Barbosa.CIL S/A. SP. 1971. Volume 1. Página 69.
Osmar Barbosa — Poeta, escritor, tradutor e professor, nascido em vitória, no Espírito Santo, em 1915. Lecionou no Rio de Janeiro, na década de setenta. Colaborou em vários periódicos católicos sob o pseudônimo de Frei Solitário. Publicou numerosas obras sobre ensino e literatura, entre as quais História da Literatura Brasileira, Antologia da Língua Portuguesa, A arte de falar em público, Dicionário de Verbos Franceses, Dicionário de Sinônimos Comparados; Bilac: tempo e poesia; Colheita matinal, Para as mãos de meu amor.
Este site pertence ao compositor e escritor Lopes al’Cançado Rocha, o Cristiano. Disponibiliza gratuitamente aos internautas experiências de conhecimento e conteúdo para pesquisa. Clique no link a seguir para saber dos serviços que o autor oferece: https://pingodeouvido.com/cristiano-escritor-e-redator/
Você precisa fazer login para comentar.