CAMINHANDO SOBRE A LETRA: A LINGUAGEM DO SILÊNCIO

CAMINHANDO SOBRE A LETRA: A LINGUAGEM DO SILÊNCIO

G. rios

Há duas categorias de sujeito: aquele, do enunciado; este, da enunciação. O primeiro se manifesta na superfície da letra. O segundo, na esfera do não-dito. Geralmente, as pessoas somente conseguem ler a mensagem propriamente revelada. Mostram-se incapazes de perceber que há mistério, insinuando-se na palavra. Tais indivíduos tornam-se objeto de manipulação do emissor, principalmente da mídia, esperta raposa.

Exemplificando, emitiu-se há pouco tempo um texto jornalístico, mencionando bilhões de reais esquecidos no Banco Central. Afoitos, todos digitaram nome e endereço, dispostos no mesmo anúncio. Receberam, no máximo, trinta moedas do Judas. Ouvimos muitos discursar, enganados, pois acreditavam obter mais que cinquenta centavos. Ludíbrio, perspicácia ilusória sobre o inocente receptor.

Olhos eletrônicos ou de psicólogos vigiam o cliente na loja. Percebem o motivo de atração do produto sobre ele. Seria a cor, a embalagem, a localização na prateleira? Conforme o caso, na próxima visita, o objeto será diferente.

Por que brinquedos ocupam o lugar embaixo? Claro. Crianças são pequenas, quanto ao tamanho físico. Por que o material de luxo fica em cima? Ah! Porque a maior classe compradora constitui-se de B, C, D, E. Elementos da classe A jamais se importam com preços.  Daí, o valor em dinheiro está em caixa alta no sabão ou detergente da estante mediana. O Whisky caríssimo dispensa comentário. Ofende-se o cliente com alguma menção de preço.

Propaganda subliminar age sob o desejo popular. A mercadoria pode ser mais valiosa pela sensualidade que pelo significado consumista. Sabonetes, perfumes, cremes, sugerem aspecto sexual através do formato externo, gravuras sedutoras, papéis macios.

Quem adquire o objeto em questão, possivelmente se esquecerá da natureza ruim daquilo que se esconde na embalagem.  Aí permanece de guarda o aparato da opressão. O dominador sabe enganar o incauto sujeito. Grupos políticos vendem imagem falsa. Corruptos se fazem passar por construtores da Pátria. Por trás da aparência, empresas oferecem gato por lebre.

Redes de tevê, computador, celular, puxam para dentro da toca do coelho a ingênua Alice no País das Armadilhas. Parece hoje que os jovens marcham enfileirados ao comando da telinha. Presos nela, obedecem à ordem do videogame, professor de guerra e violência contra o semelhante.

Iludidos, moços e moças se comunicam à distância máxima, pois no face to face predominaterrível enfrentamento ante o inimigo-Outro.  Adulto-pai prefere conversa online, porque a família também se enfronhou no celular. Sala de visitas: vivalma presente. Pai, mãe, filho, avós, todos ligados no Programa da tevê.

Impossível notar a dissemelhança entre esta Rede e as demais, na veiculação da idêntica notícia. Tudo igual no painel da memória fraca.  A hipocrisia ideológica dos canais maquila-se num rosto feminino, na exótica indumentária masculina, na voz grave do locutor.

Disfuncionalizam-se argúcia, inteligência, sinal vermelho.  Onde o substrato do enunciado? Futuro: Elege-se antigo candidato usurpador dos direitos do velho camarada ora votando. Durante o período da chamada Ditadura, artistas camuflavam a expressão autêntica da música, utilizando esse processo.

Chico Buarque na peça Calabar, elogia a traição do personagem. Assim, debocha em forma não-dita das torturas no Golpe Militar/64. Na letra de Passaredo indigna-se, solicitando que os ‘passarinhos’ fujam do perigo. Concede, silencioso, meios para que os companheiros se afastem da prisão iminente.

Cálice, de Milton Nascimento, oculta o termo cale-se, mensagem rebelde contra a censura da época. Ou seja, Não fale.  Cale o bico em público.  Vários outros artistas, Taiguara, Vandré, Edu Lobo, reforçam- lhes a boa estratégia.     

Faz cerca de dois meses, a Emissora Z apresentou imagens da rodovia T completamente lotada. O trânsito continuava embargado nas estradas próximas. Explicavam ao microfone que a plateia de determinado candidato à Presidência impedia a passagem dos veículos. Creio ter alguém telefonado, ameaçando o repórter. Daí a meia hora, o cenário muda. O impedimento provém de lamentável acidente, envolvendo duas carretas.  

Nossa grande desenhista, escritora, personalidade, Ângela Lago, publicou um livro denominado Sim, Não, Talvez. Nele, o rapaz quebra a perna. Enfaixado, recebe visita de um vizinho. ‘Que coisa! Azar, hein?’ Ao que a mãe responde: Sim. Não. Talvez.   Acontece, após, no país, guerra medonha.  Vizinho: ‘Imobilizado, ele não foi. Sorte, hein?’ Mãe: Sim. Não. Talvez. O jovem se casa. Ela: ‘Felicidade, né?’ Mas se divorcia. Etc etc. 

Há também a fábula em que o marido, querendo testar a confiança na esposa, contou-lhe ter botado um ovo. O fato aumenta de narração em narração. Ao regressar, o infeliz encontra a postos todos os meios de comunicação, ansiosos por saber como botara tantas dúzias do alimento.

Eis o motivo exato por que devemos aprender a lição: Vimos o produto? Vamos constatar se é bom. Ouvimos a notícia? O vizinho comentou? Averiguemos se a fala continua verossímil. Sim. Não. Talvez.

Escritores acolhem a plurissemia, a plurivocidade dos vocábulos. Professores em alerta descobrem sentidos imersos na textualidade. Guimarães Rosa, ao dar título ao conto Soroco, sua mãe, sua filha, concede o nome masculino a elucubrações leiturais. Tal história da geração louca sugere ‘Sou louco, Sou oco, Sou rouco’. Rouco, em razão de o doido entoar uma algaravia musical.

Observe-se a onomástica predileta de Machado. Em Quincas Borba, Palha representa o marido cego à leviandade da mulher Sofia, sábia namoradeira. Rubião acumula dinheiro e pedras preciosas por herança do amigo. Estamos mencionando apenas uma obra. Isso l é comum em romance, conto, poesia, de Assis.         

Urge que a escola leia rápido a enunciação. Diríamos, logre entender o inconsciente da matéria literária. O aluno aprenderá os dois níveis estudados. Tudo o que nos circunda possui histórias diferentes em si.

A tampa de refrigerante no asfalto relata sua trajetória pelo mundo. De onde veio? A que cenas anteriores assistiu? Onde esteve antes: numa festa, numa creche, num botequim? Nova atividade. Cansado de trabalhar, o que dizem os móveis, a favor do recém-chegado? ‘Deite-se aqui, sou limpa, amiga, macia. Aproveite-me’. Daí pra frente.

Conduzir as crianças para além do que está exposto, oral ou grafado, é tarefa simples. Lendo publicidade, advinda de clube, loja, açougue, poderíamos analisar com elas mentiras colocadas ali. O exagero da propaganda pode ser desmistificado pela releitura de seu conteúdo.

A beleza rara de um poema pode ser multiplicada, segundo inúmeros leitores. O autor do livro conhece esta realidade: cada um projetará seu horizonte de expectativa, seu repertório vivencial na obra. Portanto, serão livros que se fecham/abrem mil vezes antes de se fechar.

Tomemos um comercial de cigarros. Jamais será mencionado o imenso prejuízo causado pelo tabaco. O apelo cairá sobre a força, o esporte, o poder: ‘Quem fuma X sabe o que quer”. Sabe nada. É um ignorante a respeito de organismo. Afogado em malha comercial, ficará doente, fraco. Morrerá de cirrose.

Esse, o não-dito pelo ricaço dono da Empresa multinacional, inconsequente assassina. O produto é feito e divulgado de acordo com a faixa etária, o sexo, a predileção do comprador. Olho vivo, ó brasileiros.

Talvez, sim, não, tenhamos fornecido bons exemplos de leitura enunciativa em ambos os graus. Retiremos, pois, o consumidor da instância paciente. Seja ele o agente do ato escolhido. Livre arbítrio.

Quem se anima a brincar com a força do enunciado, sob a ótica da enunciação? Experimente desordenar letras da palavra. Roma é amor de trás para frente. Leia da última sílaba até a primeira, o palíndromo: ‘Socorram-me. Subi no ônibus em Marrocos’. Graça: raça, garça, garra. Raul: rua, lua, luar, Rá, lar… Jogos interessantes. Quantos mais?                                                                              

O garoto, a garota, verificam-se estimulados a observar o que sucede ao redor. Nesse aspecto, a grande cidade abre o leque de possibilidades. Quem vai para o Centro? Que indivíduos participam do movimento na Praça? Por que os mendigos pedem esmolas, e os favorecidos da sorte, não? Por que as pessoas demonstram raiva na fila do ônibus? Quem poderia ser o cara naquela Ferrari?

Em casa, o adolescente percebe detalhes pequeninos de afeto. Nada? Nota que o papai trabalha, viaja e se esforça por lhe dar conforto? Mamãe sai, traz o material escolar. Quanto cuidado em selecionar preço, qualidade, espessura do caderno! O estudante viu isso? A vovó traz uma barra de chocolate. Lembrou-se do neto. Ganha um beijo, obrigado? Ele/ela ingere maravilhosa macarronada. Agradece à empregada? Dá-lhe presentinho de aniversário?

Vamos à cozinha. O fogo. A água. A flor. O gelo. Que delícia de casa! O irmãozinho é muito fogoso. A prima vive na piscina. Tia Maria se veste com fores estampadas.  Eta, parente gelado! Nem um pouco sensível.

Nosso escritor mineiro Paulo Mendes Campos quis fazer uma crônica sobre o fantástico mundo onde vivemos. Começou a pesquisar. De repente, uma formiga atravessa a página do Livro de Ciências Humanas. Pronto. Percorrera o papel o insondável mistério da vida.  O redator foi capaz de ver a Terra inteira modificada por um bichinho à toa. Depois, lemos-lhe o texto repleto de alegria. Fonte motivacional para nosso próximo encontro com os quase invisíveis insetos.

Roland Barthes legou-nos O Prazer do Texto. Sugerimos autor e obra a quem nos segue aqui. Quando descobrimos o que é terapia literária, a criatividade nos assalta. Tristeza diz adeus. A pena vale a pena, seja de caneta, de dor, de asa em voo.  Construamos o ninho para todas as penas possíveis.

Pedro partiu para Portugal para pintar paredes e portas. Quá, quá, qual! Continuemos na língua do pê. É preciso mostrar aos filhos, alunos, conhecidos, que vibramos ao desenhar figuras. Pintar o Sete. Esculpir madeira. Colar estampas. ESCREVER. Será que influenciamos o companheiro do lado de fora a ser ledor contumaz?

O professor, de vez em quando, aparece com um livro. Põe na lousa exercício complicado de quê. Enquanto a turma se descabela, o mestre abre a história, dá pinotes, chora de tanto entusiasmo. Apostamos que, ao final da aula, os petizes perguntarão onde tem esse negócio.  Ele: ‘Na Biblioteca. Foi lá que vi Alexandre e outros Heróis. Ai, ai, cansei, ufa! de tanto rir. Vão atrás, é ótimo!’                                                   

Logico, professor e alunos participam da escrita coletiva. Uma frase aqui, outra lá, a escritura ganha pernas no papel ou no quadro. Painel, todos querem? Mural? Entrevista? Fantoche? Teatro vivo? Cinema? Podemos fazer um filme de vampiros. Trago a massa de tomate e os lençóis. Em grupo? Individual?  Mãos à obra. Ajudo na construção literária. Também escrevo. Adoro, pessoal.

Atenção! Hai-kais são estruturas japonesas com três versos. Contêm ideia filosófica fácil de ser posta no caderno. Encantam meninos, jovens, adultos. Sugestão: Estudem-se a origem, o desenvolvimento, a entrada do gênero no Brasil. Descubra-se a maneira de liberar a forma do poema. Hai-Kai na Dança. Hai-Kai AKI. Etc.

Perceba-se: A escrita usa máscara. Transforma o real em seres absolutamente incríveis, verdadeiros, fictícios. Percorremos locais jamais descobertos. Então, Manuel Bandeira é as três mulheres do sabonete Araxá, o pobrezinho que sonha ganhar balão, a estatuinha nova que envelhece, cobrindo-se de pátina.

Marylin Monroe, na biografia, comenta ter perdido sua identidade, depois de filmar tantas diferentes personagens. Graciliano, na cadeia, constrói Memórias do Cárcere. Ajudam no serviço alguns encarcerados. Escondem o manuscrito, quando ouvem barulho de passos da guarda.

Sugestão: Se os estudantes revelam comportamento inadequado, o professor pedirá que interpretem a si próprios na peça teatral. Quem sou eu? Ajo dessa maneira, por quê? Devo mudar essa atitude? O que nesta Escola esperam de mim? Etc.

O resultado é deveras excelente. Dispensa figurino, palco, luz. Tal apresentação culmina na sala de aula, no auditório ou no pátio. No último, a assistência desejará imitar os colegas. Posteriormente, a turma se acalma.

Perigo: O elenco só se interessará pela aula de Português. Surgirá logo reclamação, caso o trabalho da escola abandone a interdisciplinaridade. Vejamos: Problemas matemáticos tratarão de teatro.  A Área de Artes se dedicará à feitura do material de cena. A História se incumbirá de estudar o Teatro na Grécia. Etc.

Criancinhas encenam, com extrema fantasia, contos de fadas, anedotas, fábulas. Teatro de sombra, poesia, marionete, boneco de pano confeccionado na escola; tudo serve para envolvê-las. Salientamos o uso da máscara, personagens simples, ação descomplicada.

Como professora, preocupamo-nos sempre em auxiliar na limpeza do estabelecimento. Almoçamos na cantina, convidamos membros da limpeza a cuidar juntos do recinto. Interessante: Quando chegamos ao Colégio de periferia, era comum urinar nas paredes. Reinava ali um rato ‘da comunidade’, devorando folhas da sopa matinal.

Ao reassumir o Marconi, onde lecionamos, a diretora daquele lugar ofereceu-nos o triplo da quantia recebida pela Prefeitura, contanto que voltássemos para lá. Emocionada, aludiu que os alunos pintaram o Colégio. O rato desapareceu em nuvem de fumaça. Queriam teatro.  Trazia o abaixo-assinado do corpo docente e discente em peso. Confessamos-lhe que o Vilarinho era longe demais. Necessitávamos descansar.

Concluindo. A imaginação criativa pertence a todos. Ideologia criminosa espalha por aí que poetas são ‘diferentes, superdotados, nefelibatas’. Cruel desaforo destinado ao povo. Querem mediante coerção exigir que a massa seja burra. Incapaz de compor ideias maravilhosas. Pão e circo, ensinam, é Lei. Argumentam esse despropósito para manter a rédea no lombo do cavalo humano.

Cabe aos iniciados em Belas Artes dar pincel, tinta, camartelo, lápis, caderno, partitura, semente, ao planeta. Lutemos pelo conhecimento geral da cidade, Nação, Nações. Nunca mais ranger de dentes, pobreza, mesquinharia. Fora, explorador! Dentro, sábio mentor do Bem, da Justiça, da Paz!  Existiremos eternamente, nós, que apregoamos o saber saboroso por terra, céu, mar. Assim seja.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            

Velhos séculos um novo ano



Velhos séculos e um novo ano

Lopes al’Cançado Rocha, o Cristiano

Vem-nos entrando esse dois mil e vinte e três.
Já se passaram dois mil anos, meu Jesus!
No lendário Gregoriano o porvir já se fez.
A humanidade d’hoje leva u’a espinhosa cruz!


“De mil passarás! De dois mil anos não! ”,
dizia a rústica sabedoria popular.
Veio a virada do milênio, errou o ancião?
Não. A virada virou, mas só o dígito a girar…


de anos, lustros, décadas, séc’los e milênios.
Parece-nos que voltamos ao ano zero:
Pestes, catástrofes, perseguições e incêndios.


Façamos por, instauremos paz e o amor sincero.
Mais lealdade entre adversários e estranhos.
Mais solidários nós, nativos e estrangeiros.

Este site pertence ao compositor e escritor Lopes al’Cançado Rocha, o Cristiano. Disponibiliza gratuitamente aos internautas experiências de conhecimento e conteúdo para pesquisa. Clique no link a seguir para saber dos serviços que o autor oferece: https://pingodeouvido.com/cristiano-escritor-e-redator/