__Poemas_e_Canções_2001_e_2017
ÍNDICE
Prefácio, 03
Sobre o autor, 04
Dedicatórias 1ª edição, 05
Notas do autor e agradecimentos 1ª edição, 06
Poemas
Herança & Arteiros, 07
Santa Luzia de todo o mundo, 08
Da região metropolitana, 08
Resposta, 09
Homemgasto, 10
“Psicológico”, 10
Canção para crise, 11
Etária com ombro, 11
Violoncelo, 12
Sem título e Ficar, 13
2º plano, 14
Meus poemas e canção poesia, 15
Metalinguística, 16
Canções
Nos sinais e Temorte (na sua área), 18
Zumzumzum zimzimzim e Ô Bach, 19
Não há um violão e Avião de Luxo, 20
Do apá virado e Fili, 21
Culpa e Narua, 22
Cata-vento, 23
Neanderthal, 24
Notas, 25
Créditos 1º edição
Informações 2ª Edição, canais e contato, 25
Prefácio
Quando chegamos ao ano de 2000, eu colecionava poemas curtos motivados pelas aulas de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, bem como pela leitura de nossos poetas modernistas. Apanhei um acerto de contas dum emprego e resolvi publicar parte dos escritos no ano seguinte. Em termos de suporte (formato) escolhi o livro com cd, pois aproveitei para distribuir doze faixas de canções gravadas com voz e violão. Era novidade oferecer ao público conteúdos em livro e compact disc audio.
Em brochura grampeada, com sobras de papel da gráfica, de corte torto, capa feia e improvisada, saiu uma edição tôsca e pobre, não só pelo fato de ser independente e autofinanciada, mas também por incompetência de todos nós, autor-editor, diagramador, gráfica impressora etc.
A intenção era demonstrar a importância com que sempre tratei a Literatura e expor um estilo individual eclético, no intuito de agradar o maior número possível de leitores e ouvintes. Os poemas foram divididos em quatro partes: a) memória pessoal; b) temas políticos e socioeconômicos; c) experiências com namoros e d) metalinguística. Quanto às canções, selecionei as que eu julgava serem as melhores na época.
Quis modéstia no título e pus “Poemas e Canções”, pois admitia minha imaturidade pessoal e artística. Agora nessa segunda distribuição há um novo intuito: retomar esse marco de minha trajetória.
Obra de jovem estreante, percebe-se marcante cadência típica do letrista, rimas imperfeitas, versos livres a procura de certa harmonia assimétrica; um tom de fala ao mesmo tempo memorialístico e confessional. Artes e pecados da infância, paixões juvenis com influência de Adelino Moreira, o espaço semi-urbano, os sonhos e as aflições próprias dos que trabalham em reflexão e contemplação em meio as urgências da vida, das tragédias humanas e sociais. Veremos esses últimos cenários, por exemplo, em “psicológico” (página 10), “temorte (na sua área) ” e “Nos sinais” (página 18).
Nas duas últimas canções (Cata-vento e Neandertlhal) teremos canto à liberdade e um lamentoso apelo. É que antes de nos apresentarmos como escritores, antes mesmo de declararmos a primeira estrofe, àquela época já percebíamos o desprezo e a indiferença para com os novatos. No geral, quando se falava em arte, só se pensava em reconhecimento, exposição, fama, carreira profissional e vida pública luxuosa. Esquecia-se dos artistas como exemplos à sociedade, como cidadãos influentes na ética e moral de um povo. Hoje, porém, sabemos que a fria educação pela pedra de um João Cabral de Mello Neto norteou o senso de um Ministro da Fazenda Antônio Palocci; e que aquele Glauber Rocha animou o coração e a mente dum poeta e Presidente da República José Sarney. Um simples estribilho pode, na sua devida proporção, influir na história de várias gerações.
Hoje o desprezo, a indiferença e o ato de recusar contribuições literárias e artísticas em geral são efeitos de várias causas, e dentre elas podemos citar o declínio do ensino e aprendizado, o desamor pelo idioma, a imposição do entretenimento e do lazer prazeroso, a anulação da atividade crítica e a intensificação das degradantes guerrilhas culturais e espirituais. Vejo as forças criativas perderem sua fecundidade e segregarem-se em ilhas tribais fervidas por conspirações, estratégias, táticas, agendas e atitudes que, às vezes, culminam em histerias coletivistas ou até em campanhas de reivindicações hostis e ódio. Essas vias obscuras em muito nos entristecem.
Os critérios norteadores do fazer literário deixaram de ser a beleza, o amadurecimento da escrita, a riqueza de conteúdo, a força das expressões, a hombridade ética e estética do autor. Vieses ideológicos, de crenças ou descrenças são fatores determinantes para fazer repercutir ou não a voz dum pobre sujeito. Serão forças suficientes para calar algum filho de Deus capaz apenas de honrar seus próprios ombros? Só Ele pode nos responder, e a resposta virá certamente no Tempo Dele.
A presente reedição, com prefácio e informações complementares confirma minha escolha desde o início: o caminho da arte livre, consciente, independente, sóbria, responsável, baseada na razão, no sentimento e na compaixão. Esse pequeno percurso me impulsiona e me alimenta na missão de alcançar o máximo de pessoas dispostas a apreciarem Língua Portuguesa do Brasil, Literatura Brasileira, poesia inspirada e letra de música.
Belo Horizonte, 07 de julho de 2017.
Sobre o autor
Filho de José Maria Rocha, bombeiro hidráulico e Dulce Francisca Lopes Cançado, do lar, nasci em 07 de julho de 1977 em Belo Horizonte. Meus pais, nessa época, moravam no bairro de Santa Efigênia. Em dezembro de 1981, movidos pelo sonho da casa própria, mudamos para o Conjunto Habitacional de Interesse Social (Cohab-MG), mais conhecido como Conj. Cristina, próximo ao bairro São Benedito, na cidade de Santa Luzia.
Estudei o primário na E.E Jacinta Enéas Orzil, onde iniciei meus primeiros escritos, estimulado pelas aulas de comunicação e por canções que ouvia na voz de minha mãe. As demais séries do primeiro e segundo graus cursei na E. E Raul Teixeira da Costa Sobrinho já compondo uma variedade de letras, poemas e demonstrando notório interesse por nossa Literatura Brasileira. Dentre as funções que exerci estão: vendedor ambulante, balconista, empacotador de compras em supermercado, repositor, office-boy, auxiliar de escritório e leiturista em relógios medidores de energia elétrica.
A partir de 2002 trabalhei como balconista novamente, auxiliar de tesouraria, carteiro, professor de violão, músico de bar, auxiliar de serviços gerais. Colaborei voluntariamente em duas associações culturais luzienses. Idealizei e concretizei dois periódicos literários: Cabeça de Papel (2002) e Pingo de Ouvido (2015). Em 2006 integrei o curso de crisma do método da Catequese Narrativa, na comunidade Santo Inácio entre os cristinenses; crismei, batizei e, sendo já cristão, firmei publicamente minha Fé Católica. Estudei um período de administração em 2007. Dediquei-me em dois cursos técnicos e vários outros profissionalizantes no período de 2009 a 2014. Apresentei-me em alguns festivais de música, mostras e recitais. Publiquei dois álbuns musicais nas plataformas Onerpm e Youtube. Até meados da década de 2000 almejava profissionalizar-me inteiramente nas atividades artísticas, até que em 2005 decidi por me tornar, antes de qualquer desejo profissionalizante, um artista de testemunho e obra. Trabalho, atualmente, como assistente administrativo e estudo várias disciplinas de forma autônoma. Conquistei amores e desafetos, como é natural com todo ser humano. Ganhei um filho amoroso. Nos últimos anos venho me reaproximando das origens familiares, curtindo tias-avós, tios, primos, primas, padrinho, madrinha. Ouvindo deliciosas histórias como nunca. Ganhei também duas afilhadas, quatro cachorrinhas lindas e a família só lá vai crescendo…
Hoje, sob as mais variadas influências, tanto da arte como das diversas convivências… “ao contrário dos que escrevem e rasgam, mando meu timbre não por vaidade; é para desafiar esse instrumento de infinitas faces, comprometedor e bambo que é a palavra. Contudo, lembro que não deixo apenas palavras, lanço também a minha unidade e um pedacinho do meu universo. Quando me ponho a liberar o que me borbulha aqui dentro, a letra e o som são os códigos de que disponho… um violão de estudo e u’a máquina de escrever, isso é tudo, tudo que eu tenho. Dependendo do estado em que me encontro, eles se entrelaçam ou pouco se aproximam. Cabe a mim então a paciência… esperar para ver ‘quem’ é que vai ficar só e ‘quem’ é que vai ficar junto. Isto é, a Inspiração Divina é quem determina se o texto permanece poema lírico ou se converte em letra musical, canção”.
Eis, junto dos poemas, algumas composições do período de 1997 a 2001, quando passei a compor com maior frequência e a realizar estudos autônomos em música.
Santa Luzia, 09 a 15 de maio de 2001.
Com informações complementares em 07 de julho de 2017.
a toda minha família
e amigos
a vin car lag, “cum panis”
inseparável nessa
trilha
a Sebastião Villas Boas
por todo apoio
e pelas primeiras afinações
(em memória)
[2001].
“… numa transa com os nervos, a música instigando o ser e dando-lhe a insistência para falar de si, de seu meio, de seus atos.
Mais pela vontade de desengavetar, registrar e fazer repercutir. Já que todos nós sabemos de nossas dificuldades – e não somente no plano artístico –, deixo aqui aos leitores e ouvintes uma enorme consideração. ”
Agradeço a:
Deus, Mamãe, Alexandre (irmão), todos os meus professores, todas as pessoas que trabalharam comigo, meus amigos, colegas músicos e artistas, apoiadores e apreciadores. Flávio Aguiari (em especial) e a uma pessoa que, sem ela, esse trabalho não se concretizaria: Raquel Rezende.
[2001].
POEMAS
Como quem herda não furta
herdei de meus pais
coração e alma
De minhas mães
valentia e vigor
e isto me basta
me farta.
[1994], herança
Arteiros
Posso ovi de longe
ela cantando meu nome
Mamãe t’chamando
arruma essa franja
os canto da boca
tá sujo de manga
óia lá
não vai falá da chácara
nem do tiro de chumbim.
Dentre minhas espadas
não, não tive espadas
tampouco revólveres
E fui ladrão
de um brinco
e um litro de leite
Não possuía spray
mas fui vândalo
em minha escola
Dividi uma bola
um lance
sonhei como todos
hoje sou poeta e estudante.
[1999].
Santa Luzia de todo o mundo
Beco do Brasil,
da África.
Rua Japão, Israel,
Rússia.
Avenida States,
Das Indústrias.
Estrada velha asfaltada
Barrenta cheirando à cachaça
Trem trilho
mel milho
estribo, extravagante
esterco
Trem trilho
mel milho
casas casarões
barracos.
[2000].
Da região metropolitana
Coitada da gravata
que para meu pescoço não foi párea
conheço enxada mas nunca usei
e não me lembro de ter decepado capim
Tenho uma máquina sim
Gosto de cavalos, porém
tenho medo de montar
de gado nada sei mas,
quando trêbado
puxo os rabo das vaca
E a boca da calça
anda borrada de batom vermelho
das poças de água
Coitada da gravata
que para meu pescoço não foi párea.
Resposta
Ninguém saberá
sobre os quilômetros que ando
do peso que carrego
dos quilos que perco
Os números?
Sei apenas lê-los
Perdão se gesto
palavra
espaço
tempo
ação
não meço
Deixo de lado
até mesmo o sucesso
mas o espírito-paixão
não desprezo.
Homemgasto
Como seria o sentido da vida
para aquele homem que me oferece café?
aquele homem que mata minha sede com sua água
Agachado ali na rampa da entrada
misturando gíria com dialetos da roça
Qual é, para ele, o sentido da música
que vara o portão e cadencia meus passos?
O que pensa ele, ao olhar-me com os olhos
de minha gente, sobre o trabalho que faço?
Posso é somente imaginar
o que o trabalho fez com a vida
desse Homemgasto…
“Psicológico”
O frio é psicológico
assim como é da psicologia
a alergia de lã
e a dor que a medicina
estampa no seu nome
A fome e a seca
são psicológicos quanto o medo
É psicológico o atrito
entre o religioso e o cientista
o refúgio de Kosovo[1]
a corrida armamentista
a ignorância do povo
os alunos assassinos
e todos os versos acima.
Canção para crise
As bolsas cheias de nenê e xistose
A miséria e a corda no pescoço do pai
Quem promete a melhora
tem moeda no bolso
E nós? Misericórdia Senhor!
Misericórdia de nós!
Batendo na bunda de quem passa
Quem passa leva um tapa no bolso detrás
É pobre, é pobre também!
Vá roubar, vagabundo, de quem tem
O bolso cheio de poesia em pó
A viola atira som que não mata ninguém
Boca manda palavras que não saram
Sarin: paralisia da massa.
Etária com ombro
Olha lá a ciência presumindo as batidas
durante a vida, uma vida qualquer.
Pegada a cambalear, fungar entrecortado
Soando em seu terreno, longe da teconoavançada
Tem sangue vermelho, corpo sem orifícios de borracha,
sem canudos – enfermo. Tem sete vidas.
Nasce e renasce das cinzas mais rápido do que humano
do que o tempo ou qualquer ação física,
Mistura-se com a terra
Fica pardo, forte, rico
Encorpado de raças
civilizações e ritos.
Prossegue…
Socorre-se de água, comida,
descanso e abrigo
Combate: famintos tigres
Suporta: carregadas nuvens
Degusta: delicadamente
Súbitos lagos límpidos.[2]
Violoncelo
Som de berrante rouco
Urro de boi quase morto
Quando o tocador acelera
arrepio
Belo brio!
Revanche!
Cai a velocidade
volto a amar a derrota
Corto a noite em versos
Morro!
Pela manhã é violão
à tarde,
violoncelo.
Sem título
o poema que plantei
em seu nome
ela não me devolve mesmo
muito eu gostaria
de extrair da mente
uma estrofe
…mas a memória salva-me um verso:
“amar em pé de igualdade.”
[março de 2001].
Ficar
Devo a você
letras de ouro,
devido ao poder
que arrumei nos dedos
ao tocar seus cachos dourados.
Contudo, ofereço-lhe
estas perplexas aqui,
pois bobelado fiquei
da surpresa de lhe conhecer
assim… tão pouco e de súbito
Meus olhos apuram
estas linhas
torcendo por um
daqueles nossos
encontros fortuitos.
Segundo Plano
Sonhei os mil elogios
que saem dos seus olhos
e com o brilho
que parte de seu sorriso.
Seus lindos pés maternos
ao suportarem dois corpos,
de longe me fascinam
De perto?
eliminam todo o nosso primeiro plano.
Ai! Vontade de usar de cafajeste
em vez de força-bruta-coração!
Então surgem retas, círculos
quase que em forma de coraçõezinhos.
Rolam gestos, palavras surpresas,
possíveis trocas de objetos
e mais reciprocidades
… e aí eu paro por aqui,
Pois já não mais consigo
expressar-me através de
tais códigos.
Meus poemas
Simples poemas
Tortos e destinados
ao matadouro
Que nasçam meus poemas
Que nasçam
Esse é o único voto
de um orgulhoso pai
semi-analfabeto.
[novembro de 1999].
Canção-poesia
O gosto da lágrima nasal,
o sal, a articulação da língua,
a insônia estão aqui na minha poesia
Será lida como anúncio de jornal
Única, sincera e fiel
faz soar falsos “que legal!”
A noite, o dia, a madrugada
num mês nasce pelo menos
um verso
Sorte é que tenho cabeça,
escola, tinta, estante,
papel-pautado-moeda suporte.
O gosto da lágrima nasal,
o sal, a articulação dos sons,
a insônia estão aqui na minha canção
Será ouvida como barulho infernal
Única, sincera e fiel
faz soar falsos “que legal!”
A noite, o dia, a madrugada
num mês nasce pelo menos
uma melodia
Sorte é que tenho cabeça,
escola, tinta, estante,
papel-pautado-moeda suporte.
ESTUDO DACTILOGRAFÔNICO[3]
vê sô vê sô vê sô vê sô vê sô vê sô vê sô vê sô vê sô vê sô vê sô vê sô vê sô verso verso verso verso verso verso verso verso verso verso verso verso verso pois é pois é pois é pois é pois é pois é pois é pois é pois é pois é poisé poesia poesia poesia poesia poesia poesia poesia poesia poesia poesia po
Babacanetababa
Babapelomenos
Babacanetababa
SoutristepremiadoDesgraçadofeliz
Poetizo
[4]
Sobre poesia
aprendi com um amigo-vizinho
conversar fiado sozinho…
CANÇÕES
Nos sinais
Deus branco nu olhando por uma criança negra
e uma branca fugindo de um demônio vestido de capa preta
Tv a teleguiar os olhos negros de uma índia
e uma daquelas amarelas trocando um chip
Uma ele, uma ela
de barriga cheia esperando mais crianças
sem barriga, sem pança
das que cansam de esperar a hora
das que jogam pedra, fumam pedra, jogam bola, dão bola
cheiram à fralda, cheiram coca, cola
das que correm, dormem, morrem, pedem, roubam
pé-de-cana, mão-de-caneca, pé-de-erva
das que não pedem para nascer
Maria que não queria família com filhos filhas
ouvindo: quem não crer, não quer criar, que não dê cria
Eu vi nos sinais sem tempos verbais
Quem é que vai relar cabeça coração e coragem?
cabeça coração e coragem.
Quem é que vai acionar cabeça coração e coragem?
cabeça coração e coragem.
Temorte (na sua área)
Mataram um cara na sua área, meu irmão
E eu nem sei bem se vi ou se ouvi falar
Só sei que a cena tá aqui no meu inculcar
O revólver cuspindo, a bala entrando
O corpo caindo, meu xará
O ferro cuspindo, a azeitona entrando
O presunto caindo, meu xará
E antes da polícia, a família da vítima a chegar
O chôro da mãe, a careta do pai
Desespero da irmã do rapaz
E isso num dia cinzento
Chapiscado com chuvisco
E o povo a comprar pro Natal
Não é época de se indignar
Além do mais, também, aliás
Isso tudo é “normal”.
Zumzumzum Zimzimzim[5]
Toda noite pousa um mosquitinho aqui
Em cima da minha folha e dança
Sobre a pauta, breca na pausa
Valsa em volta de mim
Zumzumzum zimzimzim
Zumzumzum zimzimzim
Ouve-me até o fim
Como quem pensa
Entende o meu lance
Compreende a maior
A menor frequência
De todos os ângulos:
Tarraxa de baixo
De cima do braço
Voando, montado
A cavalete
Oh! Deus, vigie essa criatura minúscula
Dá a todas as vidas o imenso prazer da música.
Ô Bach
Ô Bach! Eu vou roubar tuas notas
Quando baixares em mim
Mozart! O teu olhar agora é meu
Os dois acordes que eu tenho aqui
São repetidos e sempre se repetirão
Porque a música, Bach
Porque a música, Mozart
É uma mentira!
Ô Bach!
Pede a Deus que me ouça!
E mande um raio na caixa de som
Mozart!
Manda um anjo cortar minas mãos!
Porque o músico, Bach
Porque o músico, Mozart
É uma mentira!
Me tira, me tira, me tira daqui!
Todas as notas são repetidas, todos os textos…
Todas as frases e melodias, todos os caprichos…
Todos os ritmos e arranjos, todos os trechos…
Não há um violão
Não, não há um violão, não há
Que substitua u’a mulher que saiba amar
Não, não há um violão, não há
Que substitua u’a mulher
Amei e quando desamei
Corri pr’esse braço só
Compensação: uma voz polifônica
E muito mais polida que meu coração
Confesso sim
Não converso sozinho não
Mas não há… volto ao refrão
Não, não há um violão, não há
Que substitua u’a mulher que saiba amar
Não, não há um violão, não há
Que substitua u’a mulher.
Avião de luxo
Aquele avião de guerra que voava
Sobre a Rua Ituverava, procurava
U’a mulher que era faxineira dum
Supermercado bacana
Uma fita adesiva serviu-lhe de cinturão
Para sair carregada de batom, shampoo
Creme rinse e creme para as mãos
Na meia soquete balas e chicletes
Para um irmão mais novo
Em casa ela só tem arroz e feijão
Óleo e macarrão, manteiga e pão murcho
Ainda há quem diga que o que ela queria era luxo
Pois aquele avião de luxo que voava
Sobre a Rua Ituverava…
Ele vai achá-la lá na Praça Sete
Ela vai picá-lo lo todo no canivete.
Do apá virado
Me disseram que você já passara do ponto
Eu fui com o trigo e você voltou com o pão
Eu fingi amigo e ganhei um beijo na escuridão
Já ouvi falar, já ouvi falar
Da sua fama na Rua João de Sá
Já ouvi falar da sua fama
Na Avenida Joaquim
Agora diga:
Se realmente tem algum amor por mim
Se realmente tem algum amor por mim.
Fili
Dispare o tiro, toque o sino
Com licença tio, com licença tia
Mamãe postiça me chama
Dispersando canja no ar
Ar livre, ar leve, me livre, me leve
Me faça pole position
Lá fora se a fila não dobra a esquina
É por sorteio
Deputado reivindica
Saúde internada, ensino em tenda
Clientes da reforma no PROCON
Agricultor descadastrado
Clim’eaça a safra e as nuvens que pas’são
De famintos gafanhotos
Eu digo põe, põe, pois…
Só fili mãe tem cartão credi-canja master-sopa[6]
na mão
Até mãe, tenho de ir embora
Amanhã é dia de Vietnã
Já deu a minha hora, a do meu país eu não sei
A mãe terra gera seus filhos e é morta
Filhos sem mãe, órfãos de guerra.
Culpa
Bum! Que bomba
Trá! Que estrago
Ai! Que dor
Injeção de tais palavras
Fonadas no ouvido
Algemou-me, debruçou-me na mesa
Como explicar pro lápis
Preso em margens, perdido em linhas
Desapontado, pálido e incolor
Bum! Que bomba
Trá! Que estrago
Ai! Que dor
Quando fecha, incha e seca
Quando abre, rega e aflora
Se se zanga, embica
Bum! Que bomba
Trá! Que estrago
Ai! Que dor
Como dizer dos meus ditos
Pros escritos que escrevi pra ti?
Narua
Tamba tambor, vira violão
Cava cavaco, arrota trovão!
Na rua eu posso cantar
Na rua eu posso dançar
Na rua eu posso namorar
Na rua eu posso beijar
Porque a rua, a rua não é sua!
É o puro caminho de quem quer se expressar
Um mar de quarteirões onde navegam guardas e vilões
E seu filho beco, bequim; e seu filho corgo, corguim
Conhece? Não, não recebem sermões
A rua, minha senhora, não é moça
Moça não, é dona!
A rua, meu senhor, é rapaz que não precisa de zona
Na rua eu posso cantar
Na rua eu posso dançar
Na rua eu posso reclamar
Na rua eu posso esbravejar
Porque a rua, a rua não é sua!
A rua, a ruinha, a ruaça
A rua, a ruinha, arruaça
Tamba tambor, vira violão
Cava cavaco, cospe vulcão!
Cata-vento[7]
É que sou pipa, mutuca
Em mãos desconhecidas
Taquara de meio, vareta de enverga
Sou pipa, papagaio
Empinado com linha de aço
Cerol nenhum me corta
Ou rasga minha barbela
Quero me mandar daqui
Ficar perto do sol
Sei que corro o risco
De acabar ao chão, ao chão
Soltar da manivela
Remexer rabiola
Voar e voar
Me embolar nos ventos.
Neanderthal
Eu quero uma chance, ninguém me dá
Eu quero cantar, dizem que não sei
Cabelo dispara a crescer: animal!
As unhas, perguntam: pra quê?
E o tamanho dos olhos? E da boca?
Lobo mau! Lobo mau!
Meu objeto é mexer
Com sua alma um pouco
Essa é a idéia de cor
Não arrancar seu suor
Nem lhe jogar no forno
Eu quero tocar corações
Me chamam de homem do mau
E meu instrumento de pau
Neanderthal! Neanderthal!
Chega mais
Não pego, não mordo
Sou racional
Carne, osso
Açúcar, fel
Limão e sal
Pode vir
Não tenha medo
Não me faça mito
Sou desse mundo
Tá legal? Tá legal?
Notas
[1] Página 10. Referência ao conflito étnico-cultural entre albaneses e sérvios na região de Kosovo.
[2] Página 12. Estrofe utilizada posteriormente na canção “à espreita da aurora”, disponível em youtube.com/user/Lopesdelarocha.
[3] Página 16. Jogo fônico-formal. Só depois descobri que o Décio Pignatari tem algo parecido composto em 1977. É de fato influência dos concretistas por meio de livros didáticos de Língua e Literatura da década de 1990. Poema composto durante exercícios do curso de datilografia.
[4] Página 16. Grupo fônico da frase no pentagrama. Clave substituída pelo emblema do movimento anarquista. Frase expletiva exprimindo afirmação dúbia.
[5] Página 19. Esta canção inspirou uma outra intitulada “Tatame”, que integra o álbum “à espreita da aurora” de 2014.
[6] Página 21. “Credi-canja Master-Sopa” é expressão criada por Eder Jack de Andrade Silva na fila para servir a merenda da E.E Raul Teixeira da Costa Sobrinho, também em meados dos anos 90.
[7] Página 23. Letra da canção Cata-vento foi musicada e cantada por Flávio Aguiari na primeira edição em 2001.
Créditos
(Poemas e canções)
172.199.289-345 FBN
4124-105-030 E.M.D.A
C.I Nº 408 FBN
Capa e ilustrações 1º edição: Lopes C. de la rocha
Ilustração nº 03: Raquel Rezende
Voz e violão: Lopes C. de la rocha
Voz em ‘Cata-vento’ (Part. Especial): Flávio Aguiari
Gravado do Studio Plug-In em 09 e 15 de maio de 2001
CD reproduzido por Studio R&T
Impressão 1º edição em 2001
Edição independente e autofinanciada
2º Edição em pdf: Pingo de Ouvido. 07/07/17
Santa Luzia & Belo Horizonte, Brasil.
Canais do autor:
www.youtube.com/user/Lopesdelarocha
Contato:
lopeslarocha@gmail.com
Este site pertence ao compositor e escritor Lopes al’Cançado Rocha, o Cristiano. Disponibiliza gratuitamente aos internautas experiências de conhecimento e conteúdo para pesquisa. Clique no link a seguir para saber dos serviços que o autor oferece: https://pingodeouvido.com/cristiano-escritor-e-redator/
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