Ponto de Assis

PONTO DE ASSIS | Gracioso alinhavo no bordado de Cris

Por Maria da Graça Rios

                                           

Assentado próximo ao tear, um analista ponto cruza certa cambraia literária. Que formas puras cria tão gentil poeta? Onde fita sinhaninhas, malgrado informe bastidor? Através da peça de tule machadiana, rasga a bainha de todo infame verbo. Máquina afinada, corta com lâmina o feitio dos sectários de Lúcifer. Alfineta a gaze fina com a qual belzebu enrola inocentes, pregueados na sedução, roubo, ignomínia. O amigo sabe: Diabo chuleia, borda, ali, uma Igreja Única, Totalitária, Global. Por isso, utiliza ferrugens na bobina d’outras sés. Convence-se pintor manual dum cós de caimento livresco, sob as Leis do Tártaro. Estampa figuras em carreteis, ante divinos aviamentos, ao desforrar direitos humanos. Molda por baixo esperança, amor, paz. Por cima, moldura sevícia, orgulho, truculência. Ignora o designer de moda, Joaquim Maria, que tece trama de atar leitor. Cristiano emenda-se às malhas da Letra. Mestre realista fia, confia:                                      

Desalinha, desconserta, cose as patas do coisa-ruim, filho! Desfia a arquetípica franja de Lucius. Vanitas vanitatum omnia vanitas? Satã perde o fio da meada, misturando fuxicos contra o paradigma dos profetas e reformadores. Alfaiate fogoso, sonha enlaçar a nó górdio toda hegemonia das religiões e doutrinas. Sob véu de cinzas plumas, tudo julga, perverte, vende. Pai da negação, aperta alarga estreita qualquer plataforma alta ou arremate terreno. ‘Por trás da virtude, o vício’, ziguezagueia o tinhoso. Mira, pois, estilista crisântemo! O Sujo, ora traveste-se de tons aristotélicos: ‘O bom é sempre mau’. Sobre matrizes e telas, lantejoula Grande Ordem Nova e Insana das coisas a que denomina Legião. Blasfema aos pés do Onipotente: ‘Encorpado de purpurina carnaval vidrilho, seguidor nenhum terá sede de Ti. Plissará grinaldas em favor da noiva barbárie. Confeccionará panfletos acerca de maniqueísmos políticos… Eis que nesse instante, Lopes al’Cançado trança no bilro fios de renda: ‘Veludo ou seda, diacho, propendem-se a repuxos encolhimentos buracos. Representam o enviesado manto terrestre. Alvo macio hipoalérgênico, nosso terno algodão agasalha rebanhos celestes.  Modelas o nada, Anjo da treva. Desenha-te no abismo. Salve o Senhor Rei do bem costurado Universo’.  Ah! Parece-me que algum monge da Ordem de São Bento frisou a ferro de brasa esse babado: Éden versus Inferno. CristiAMO colcheteia-se.  Traspassa no dedo seu áureo dedal. Após, sutura definitivamente fibras soltas do manuscrito.

Sobre o texto de Lopes al’Cançado Rocha, o Cristiano intitulado “Sêde de Deus e de Civilização” (comentário a respeito do conto A Igreja do Diabo, de Machado de Assis).

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Lúcio de Mendonça

Crítico comenta sobre poeta da nova geração

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O que eu dizia em 1878 a este poeta, dizia-o em 1872 ao auctor das Nevoas matutinas. Não dissimulei que havia a sua primavera mais folhas pallidas que verdes; foram as minhas próprias expressões; e argui-o dessa melancolia prematura e exclusiva. Já lá vão sete annos. Há quatro, em 1875, o poeta publicou outra collecção, as Alvoradas; explicando o título, no prólogo, diz que seus versos não têm a luz nem as harmonias do amanhecer. Serão, accrescenta, como as madrugadas chuvosas: desconsoladas, mudas e monótonas. Não se illuda o leitor; não se refugie em casa com medo das intempéries que o Sr. Lucio Mendonça lhe annuncia; são requebros do poeta. A manhã é clara; choveu talvez durante a noite, porque as flores estão ainda humidas de lagrimas; mas a manhã é clara.

A comparação entre os dous livros é vantajosa para o poeta; certas incertezas do primeiro, certos tons mais vulgares que alli se notam, desappareceram no segundo. Mas o espírito geral ainda é o mesmo. Há, como nas Névoas matutinas, uma corrente pessoal e uma corrente política. A parte política tem as mesmas aspirações partidárias da geração recente: e aliás vinha já de 1872 e 1871. Para conhecer bem o talento deste poeta, há mais de uma pagina de lindos versos, como estes, Lenço branco:

Lembra-te, Anninha, perola roceira

Hoje engastada no ouro da cidade,

Lembras-te ainda, ó bella companheira,

Dos velhos tempos da primeira idade?

Longe dessa botina azul-celeste,

Folgava-te o pézinho no tamanco…

Eras roceira assim quando me déste,

Na hora de partir, teu lenço branco;

ou como as deliciosas estrophes Alice, que são das melhores composições que temos em tal genero; mas eu prefiro mostrar outra obra menos pessoal; prefiro citar A família. Trata-se de um moço, celibatário e prodigo, que sae a matar-se, uma noite, em direcção do mar; de repente, pára, olhando atravéz dos vidros de uma janella:

Era elegante a sala, e quente e confortada.

À meza, junto à luz, estava a mãe sentada.

Cosia. Mas além, um casal de crianças,

Risonhas e gentis como umas esperanças,

Olhavam juntamente um livro de gravuras,

Inclinando sobre elle as cabecinhas puras.

Num gabinete, além, que entreaberto se via,

Um homem __ era o pae __ calmo e grave, escrevia.

Enfim uma velhinha. Estava agora só

Porque estava rezando. Era, de certo, a avó.

E em tudo aquillo havia uma paz, um conforto…

Oh! A família! O lar! O bonançoso porto

No tormentoso mar. Abrigo, amor, carinho.

O moço esteve a olhar. E voltou do caminho.

Nada mais simples do que a ideia desta composição; mas a simplicidade da ideia, a sobriedade dos toques e a verdade da descripção, são aqui os elementos do effeito poético, e produzem nada menos que uma excelente página. O Sr. Lucio Mendonça possue o segredo da arte. Se nas Alvoradas não há outro quadro daquelle genero, póde havel-os num terceiro livro, porque o poeta tem dado recentemente na imprensa algumas composições em que a inspiração é menos exclusiva, mais imbuída da realidade exterior. Li-as, á proporção que ellas iam apparecendo; mas não as colligi tão completamente que possa analysal-as com alguma minuciosidade. Sei que taes versos formam segunda phase do Sr. Lucio Mendonça; e é por Ella que o poeta se prende mais intimamente á nova direcção dos espíritos. O auctor das Alvoradas tem a vantagem de entrar nesse terreno novo com a forma já trabalhada e lúcida.

Crítica Literária, a nova geração: sobre o poeta Lucio de Mendonça. Revista Brasileira, II, 1879.W.M. Jackson Inc. Editores, São Paulo, 1938. Págs. 240 a 243. Joaquim Maria Machado de Assis.

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